domingo, 26 de abril de 2015

Dois anos e meio a recuperar igreja


"Há património a chegar à degradação máxima"

António e Alexandre Barbosa são exemplo de boa conservação de arte sacra, mas, na hora da decisão, a escolha recai pela proposta mais barata



Os quinze metros de altura já não causam vertigens a António Barbosa, 83 anos e uma vida dedicada ao restauro de igrejas, capelas e outras preciosidades que o engenho do Homem legou como arte sacra. Durante dois anos e meio, liderando uma equipa de seis elementos, onde se destaca o filho Alexandre, este restaurador de Braga palmilhou a estrada até Beiriz, Póvoa de Varzim, onde encetaram uma das mais profundas intervenções em templos, da Arquidiocese de Braga.
Frio, humidade, calor. Imunes a todas as sensações que a meteorologia proporcionava, os artistas desenvolveram um trabalho que poucos reconhecerão. Até porque a parca situação económica em que o país se encontra, propicia o recurso aos métodos mais baratos, não raras vezes condicionadores da qualidade das intervenções.
"A nível geral, assiste-se a um desleixo enorme, permitindo que o património chegue a estado limite. À degradação máxima", afiança Alexandre Barbosa, enquanto percorre o levantamento dos pontos mais graves da igreja. Talha com remendos, azulejo a esboroar-se, infiltrações na estrutura principal do edifício. Tudo é assinalado e aguarda o parecer dos técnicos, antes de meter mãos à obra.
A estes dois restauradores foi confiada a recuperação da "boca de cena" do Theatro Circo, em Braga, na qual se incluía uma tela de cem metros quadrados, da autoria do mestre Domingos Costa (discípulo de Silva Porto), datada de 1914. As obras que se iniciaram em 1999 e terminaram em 2006, recuperaram toda a genialidade original, retratando músicos, o drama e a comédia. "Também recuperamos a talha do palco", acrescenta Alexandre, reconhecendo as dificuldades que assistiram à colocação da tela no lugar.
São milhares de horas, entregues a um trabalho de cirurgião. Minucioso e respeitador do trabalho original. Tudo segue o traçado original que nasce com a elaboração do diagnóstico ao estado de conservação das peças de arte. "Quando entrego um relatório, sei que, em 80% dos casos, os donos da obra avançam trinta páginas e vão direitos ao orçamento. Essa é a razão principal pela qual continuamos a assistir à destruição do património. Em alguns casos, seria preferível não fazer nada. Como conservador digo-lhe: este País é pobre, mas é culturalmente muito pobre".
O lamento não decorre da falta de trabalho. São mais de cem as intervenções atribuídas a estes dois homens de Braga que em curso têm três intervenções. "O perigo está no risco que se corre de perder a identidade da originalidade da peça. Hoje, mais que tudo, é preciso cuidado na intervenção, porque um atentado ao património é fácil de fazer e a correção pode ser impossível", sustenta Alexandre Barbosa.
Assim, antes de passar à prática, António e Alexandre entregam-se ao trabalho de análise das componentes metodológicas, "para preservar a identidade física e a originalidade das peças". O ideal seria assistirmos a "uma intervenção periódica", mas a prática em Portugal atira as intervenções para "quando já pouco há a fazer".

Igreja de Beiriz reabriu ao culto
"Foi uma obra que compilou todas as áreas de intervenção", sublinha Alexandre Barbosa, lembrando o "estado de conservação muito debilitado" em que encontraram o património.
Para o padre Delfim Coelho, este é o culminar de um processo "importante para a comunidade cristã de Beiriz e para a Diocese de Braga".
Desde os retábulos em talha dourada que incidem sobre pintura da ascensão de Cristo, da autoria do mestre Joaquim Lopes (1918), até à pintura do teto da igreja, onde a tela central é uma figuração de Santa Eulália. Igreja que configura Abadia de Mitra, tinha um grande paçal, tendo sido reconstruída em 1872.
No teto da capela-mor foi recuperada a pintura do artista poveiro Manuel Alves da Costa (1918). "O painel principal revela uma escola excecional de pintura. Exigiu um exímio retoque para seguir o efeito da pintura original. É muito difícil", lembra António Barbosa.
O retábulo-mor, datado de 1875 é da autoria de Sebastião Lourenço Pires e de seu irmão José Pires, de Caminha e também exigiu aturada intervenção. Alexandre e António restauraram, ainda toda a imaginária da igreja que consiste em cerca de duas dezenas de ícones.
Por seu turno, o azulejo foi recuperado pela empresa portuense Arqueologia e Património, liderada por Vítor Fonseca.













 


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